Vaga para bolsista 2025

A Neoprego está procurando uma pessoa motivada e que se interesse pela área da primatologia para fazer parte da equipe do projeto CapCult. O projeto é coordenado pelo Dr. Tiago Falótico e é parte do Wildlife Intelligence Project, da National Geographic Society.

Essa pessoa fará parte, por pelo menos um ano, da equipe que estuda a população de macacos-prego do Parque Nacional de Ubajara. O bolsista fará o acompanhamento dos macacos e coletará dados comportamentais e ecológicos, além de auxiliar em outras pesquisas que ocorram na área. A pessoa também auxiliará na organização dos dados coletados (baixar e renomear arquivos, fazer backups, armazenar amostras). O cronograma semanal será inicialmente no esquema 5 dias de campo, 1 no laboratório e 1 de descanso.

O projeto é de longo prazo e multidisciplinar, com equipe brasileira e estrangeira, sendo uma oportunidade para quem tem interesse em ganhar experiência, fazer conexões e continuar a trabalhar na área. 

O início das atividades está previsto para fevereiro/2025.

Requisitos básicos

  • Disponibilidade para residir em Frecheirinha (CE), onde está a base de pesquisa da Neoprego
    • A Neoprego oferece alojamento gratuito para o assistente, mas seu uso não é obrigatório
    • Caso use o nosso alojamento, deverá seguir as regras do local, determinadas pela responsável local
  • Graduação em biologia ou área correlata
    • Pessoas no último ano, que já não tenham que cursar disciplinas, podem ser consideradas
  • Condição física para trabalho de campo
    • O clima é semiárido (quente e seco), mas com períodos de chuva forte e muitos insetos, além de terreno acidentado.
    • O campo é durante todo o dia.
  • CNH de carro, válida (ou veículo próprio)
  • Interesse em primatologia
  • Inglês intermediário

Requisitos desejáveis

  • Conhecimento sobre primatologia
  • Experiência com macacos-prego em vida livre e identificação de indivíduos
  • Experiência em trabalho de campo
  • Experiência em coleta de dados comportamentais (filmagens)
  • Inglês avançado
  • CNH de moto, válida
  • Terão preferência na seleção pessoas do Ceará ou do Nordeste, nessa ordem.

O que oferecemos

  • Alojamento em Frecheirinha, em quarto compartilhado
  • Reembolso do deslocamento (ida e volta) até Frecheirinha (após 1 ano de contrato, válido para voo doméstico e/ou ônibus)
  • Bolsa de R$ 1.300/mês
  • Treinamento em coleta e análise de dados

Inscrição

  • ATÉ 05/01/2025
  • Envie para o email abaixo:
    • uma carta de intenção explicando suas qualificações e interesse na vaga
    • Inclua link do CV Lattes
    • Inclua contato de 2 (duas) referências acadêmicas ou de trabalho
  • pesquisa@neoprego.org

Wildlife Intelligence Project – NatGeo

É com grande orgulho e satisfação que anunciamos que o pesquisador e atual presidente da Neoprego, Dr. Tiago Falótico, foi um dos três pesquisadores em todo o mundo a receber novo financiamento da National Geographic Society e da Templeton World Charity Foundation, denominado Wildlife Intelligence Project.

Este projeto visa financiar pesquisas que aprofundem o conhecimento sobre a inteligência animal, seus mecanismos e sua evolução. O projeto também busca homenagear a pesquisa sobre chimpanzés conduzida pela notável Jane Goodall.

O projeto de Tiago, CapCult – Cultura dos macacos-prego, foi desenvolvido ao longo dos últimos cinco anos por ele e seus colaboradores. Com esta nova verba, poderemos manter as bases de pesquisa na Serra da Capivara e Ubajara por pelo menos mais cinco anos!

Esses novos dados permitirão acompanhar o desenvolvimento dos macacos e tentar entender como eles aprendem e se desenvolvem, como usam ferramentas, as diferenças nos comportamentos e nas ferramentas entre populações e muito mais! Além disso, todo esse monitoramento nos permitirá aprender sobre cada macaco, proporcionando uma melhor compreensão de seu desenvolvimento.

Parabéns, Tiago! Vamos explorar juntos!

Além de Tiago, outro brasileiro, Maurício Cantor, que trabalha com a cultura dos golfinhos, também foi selecionado!


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Mapeamento de sítios de quebra em Ubajara

O ano de 2024 começou com um artigo publicado pela equipe da Neoprego, descrevendo os sítios de quebra de cocos dos macacos-prego do Parque Nacional de Ubajara, parte do projeto projeto CapCult.

Produzimos um vídeo curto explicando os resultados!

O artigo aberto Mapping nut-cracking in a new population of wild capuchin monkeys (Sapajus libidinosus) at Ubajara National Park, Brazil  está disponível aqui: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ajp.23595


Referência

Falótico, T., Valença, T., Verderane, M. P., Santana, B. C., & Sirianni, G. (2024). Mapping nut-cracking in a new population of wild capuchin monkeys (Sapajus libidinosus) at Ubajara National Park, Brazil. American Journal of Primatology, e23595. https://doi.org/10.1002/ajp.23595

[Agência FAPESP] Macacos-prego que passam mais tempo no chão mostram maior diversidade no uso de ferramentas

Notícia publicada na Agência FAPESP em julho/2023 sobre as pesquisas do projeto CapCult, que é desenvolvido por alguns dos nossos membros.

Karina Ninni | Agência FAPESP – Em artigo publicado recentemente no American Journal of Biological Anthropology, o primatólogo Tiago Falótico e o etólogo Eduardo Ottoni correlacionam a diversidade no uso de ferramentas à terrestrialidade em um grupo de macacos que habita a Serra da Capivara (PI). Segundo Falótico, o grupo é bastante peculiar e faz uso de ferramentas como nenhum outro observado antes.

“Mensuramos que os macacos-prego do Parque Nacional da Serra da Capivara passam 41% do tempo no chão, o que é uma taxa altíssima. Os macacos neotropicais são quase todos arborícolas, então há poucos relatos sobre esse tema. A literatura aponta que primatas neotropicais passam normalmente menos de 1% do tempo no chão. Agora, há esses macacos de Cerrado e Caatinga que ficam muito tempo no chão. E eles eram pouco estudados”, resume Falótico, que é pesquisador da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP).

Ele explica que o contexto do uso de ferramentas é bastante diverso nesse grupo em relação a outros, como o da Fazenda Boa Vista, também no Piauí. “Lá na Boa Vista, eles só usam as ferramentas para quebrar cocos. Mas passam, em média, 27% do tempo no chão, o que já é bastante para esses primatas. Na Serra da Capivara, eles quebram cocos, sementes e escavam com as ferramentas de pedra em busca de alimentos, como aranhas, batatinhas e raízes. Também batem pedras para comunicar agressão, como forma de ameaça.”

Em outro trabalho, publicado em 2013, a dupla de cientistas já havia demonstrado que as fêmeas desse grupo específico da Serra da Capivara haviam até mesmo incorporado um novo comportamento para “exibição sexual”, utilizando pedrinhas. “Elas jogam pedrinhas nos machos para chamar a atenção. Nos macacos-prego, as fêmeas, quando entram no cio, adotam comportamentos como vocalizações e expressões faciais para chamar a atenção do macho. Nesse grupo percebemos o comportamento inovador de jogar as pedrinhas.”

Ele afirma que a correlação entre a terrestrialidade e o uso de ferramentas era uma hipótese. “Os macacos-prego de algumas populações usam ferramentas porque têm necessidade. Têm pouca comida e precisam usar ferramentas. Nós e outros grupos já havíamos demonstrado a ‘hipótese da oportunidade’: quando eles têm o recurso [as pedras e o alimento] disponível, eles começam a usar ferramentas e as usam mais. Neste último trabalho, o que eu queria mostrar é se essa população, que tinha diversidade maior de ferramentas, era também mais terrestre. E a comparei com a da Fazenda Boa Vista, que fica no mesmo Estado. As duas populações usam ferramentas, mas a da Serra da Capivara usa uma diversidade muito maior.”

Tempo e recursos

Segundo o primatólogo, quanto mais tempo os macacos passam no chão, mais oportunidade têm acesso ao recurso, até o ponto de inovar, como no caso das fêmeas que arremessam pedrinhas. “É preciso estar no chão um bom período para ter tempo de inovar, o que esse grupo da Serra fez, inclusive, com ferramentas para cavar.”

Ainda de acordo com ele, a terrestrialidade não é o único fator que influencia o uso de maior diversidade de ferramentas. “A disponibilidade do recurso é outro fator. A Fazenda Boa Vista tem menos recurso lítico, então pode ser que isso influencie também. Mas, por outro lado, sabemos que um fator que limita o uso de ferramentas de pedra é o tamanho. A Fazenda Boa Vista tem pedras grandes, pois os macacos ali quebram cocos grandes. Ora, se tem pedra grande, tem pequena também. Mas, eles não as usam para cavar, como os da Serra da Capivara.”

Para chegar à taxa de uso do solo pelos macacos-prego, os cientistas usaram uma amostragem de varredura. “Seguimos o grupo durante dois anos, praticamente todos os dias. Eram 30 a 40 indivíduos, metade adultos e metade imaturos. A cada 20 minutos, tomávamos nota das atividades de todos. É uma metodologia básica para estudo de comportamento de animais sociais, que vivem em grupo. Além do uso de ferramentas, eu estava prestando atenção ao que estavam comendo, se estavam fazendo grooming [catação] ou se deslocando. Incluí ainda na observação o local em que eles estavam [altura do chão]. Neste caso, para ver o estrato do espaço que estavam utilizando. Tenho esses dados agrupados por estação: chuvosa e seca. E por indivíduo: adulto, juvenil, macho e fêmea.”

Falótico afirma que uma hipótese descrita na literatura científica – de que as fêmeas teriam aversão a risco e iriam menos para o chão – não foi confirmada pela dupla que assina o trabalho. “Não percebemos diferenças de sexo na ida para o solo. Há diferença, mas pouca, quando se compara o tempo que o grupo, no geral, passou no chão (41%) e o tempo em que apenas os indivíduos adultos passaram no chão (43%).”

O trabalho foi apoiado pela FAPESP por meio de uma bolsa de doutorado no Brasil, de um Auxílio à Pesquisa Regular e de um Auxílio à Pesquisa Jovens Pesquisadores.  

O primatólogo adianta que, em um futuro trabalho, pretende-se verificar se uma terceira população encaixa-se nessa hipótese da correlação entre a terrestrialidade e a diversidade de uso de ferramentas. “É uma população do Ceará, do Parque Nacional de Ubajara, que estamos estudando. Também nos interessa a influência da terrestrialidade no uso de ferramentas, inclusive a ideia de percepção de risco no solo. Tentar perceber a resposta deles ao que percebem como risco, se os macacos estão mais atentos a possíveis perigos quando estão no solo.”

Cuidados adaptados

O trabalho com a população do Parque de Ubajara gerou um segundo artigo, publicado na revista Primates e assinado por Tatiane Valença, mestre em psicologia experimental pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com Falótico. O artigo descreve a vida e a morte de um macaco infante que, por conta de uma deficiência na perna, viveu apenas 2 meses. E mostra que a terrestrialidade pode influenciar, inclusive, o comportamento dos macacos- prego em relação a indivíduos deficientes.

“Nossa contribuição maior, neste caso, foi saber como a fêmea lida com esse indivíduo que está se comportando de modo diferente. Os cuidados com o filhote deficiente antes da morte ainda não estavam descritos na literatura. Trata-se de um relato pioneiro para macacos-prego. De forma geral, esses cuidados não diferem muito do repertório já conhecido, mas houve alguns ajustes, porque o filhote apresentava uma instabilidade na posição em que ficava, nas costas da mãe. Como ele não conseguia se agarrar como os outros, a mãe aumentou a frequência de ajuste do filhote nas costas. Ajustar a posição do filhote é um comportamento normal, mas, neste caso, ela fez isso mais vezes. Um macho adulto que também carregou esse filhote deficiente algumas vezes aumentou igualmente a frequência de ajuste”, relata Valença.

Ela ressalta que a novidade é a hipótese de que a terrestrialidade possa ter influenciado a evolução do comportamento (ou dos cuidados) com indivíduos deficientes. “A hipótese de a arborealidade dificultar o carregamento de indivíduos mortos tinha sido proposta na literatura. Mas a hipótese de que isso poderia afetar o cuidado com indivíduos deficientes é algo que estamos propondo agora, a partir do que observamos.”

O trabalho também foi apoiado pela FAPESP  .

Valença lembra que o carregamento da cria depois de morta é comum. “Normalmente, esse vínculo de carregar e fazer catação se mantém depois da morte do filhote. Quanto tempo isso dura é que varia. Ela carregou o corpo por horas e não forrageou nada durante esse tempo, além de moscas que estavam no corpo. Não foi atrás de frutos, nem invertebrados e não estava se alimentando. Carregou um corpo com 14% do peso dela por mais de um quilômetro.”

O comportamento, porém, é mais extensamente observado em macacos terrestres, como os chimpanzés ou os Macaca fascicularis (ou macaco-cinomolgo). “Tem as que largam depois de algumas horas, tem as que carregam por dias. Há casos extremos até, de chimpanzés, que carregam por meses um filhote morto.”

No caso do macaco-prego, um outro cuidado que a fêmea tomou, e que não passou despercebido pelos pesquisadores, foi usar a cauda para segurar o filhote na hora de quebrar cocos. “Geralmente, para se estabilizar durante a atividade, eles costumam colocar a cauda no chão ou agarrar com a cauda na árvore, porque quebrar um coco com uma pedra é um comportamento que exige uma manipulação muito fina, e exige força. Essa fêmea, às vezes, levantava a cauda, e nós achamos que era para poder segurar o filhote, porque ele ficava muito instável especialmente nesses momentos de quebra de coco. E ela, sem o uso da cauda para se estabilizar, não estava tão apoiada quanto poderia.”

“Nessa terceira população, do Parque de Ubajara, há muita pedra no chão e vai ser muito interessante poder comparar com a Serra da Capivara, porque vamos conseguir controlar a variável ‘disponibilidade de recursos líticos’”, adianta Falótico.

O artigo Greater tool use diversity is associated with increased terrestriality in wild capuchin monkeys está disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ajpa.24740.

Já o estudo Life and death of a disabled wild capuchin monkey infant pode ser encontrado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10329-023-01052-1.
 

[Agência FAPESP] Herança cultural pode influenciar a escolha de ferramentas por macacos-prego

Notícia publicada na Agência FAPESP em novembro/2022 sobre as pesquisas do projeto CapCult, que é desenvolvido por alguns dos nossos membros.

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Macaco-prego com um fruto de babaçu: alimento de casca dura precisa ser quebrado com ferramenta de pedra, uma inovação que nem todas as populações do gênero adotaram (foto: Tiago Falótico/EACH-USP)

André Julião | Agência FAPESP – Os macacos-prego são alguns dos poucos primatas a utilizar ferramentas no dia a dia. Um dos principais usos no Cerrado e na Caatinga são os martelos e bigornas de pedra, que servem para quebrar a casca de alimentos duros, como as vagens do jatobá e a castanha-de-caju.

Em estudo publicado na revista Scientific Reports, pesquisadores brasileiros mostraram que a correlação entre a dureza dos alimentos e o tamanho das ferramentas nem sempre é precisa como se pensava.

Ao observar três populações brasileiras de macacos-prego da espécie Sapajus libidinosus e medir a resistência dos recursos, o tamanho e peso das ferramentas usadas e a disponibilidade de pedras no local, os cientistas concluíram que a cultura do grupo – informação mantida ao longo de gerações por aprendizado social – também pode influenciar a escolha.

“Em uma das três populações analisadas, mesmo quando possuem pedras mais adequadas para determinado recurso, eles podem usar ferramentas desproporcionalmente pesadas, o que pode indicar um traço cultural daquele grupo”, explica Tiago Falótico, pesquisador da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) apoiado pela FAPESP.

A população a que o pesquisador se refere vive no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. A comparação se deu com outras duas, residentes no Piauí: no Parque Nacional Serra das Confusões e no Parque Nacional Serra da Capivara, distantes 100 quilômetros um do outro.

As ferramentas, no caso, referem-se a pedaços de rocha quartzito e arenito encontrados em locais conhecidos como sítios de quebra. Os animais frequentam esses lugares exclusivamente para ter acesso a esses martelos e bigornas. Os primeiros são batidos pelos macacos contra os alimentos, que ficam apoiados nas bigornas.

“Na Serra das Confusões, quando quebram frutos pequenos e menos resistentes, os macacos-prego usam ferramentas menores. Quando precisam abrir cocos maiores e duros, usam martelos grandes e pesados. Na Chapada dos Veadeiros, mesmo tendo variedade de ferramentas, eles usam as mais pesadas mesmo para alimentos mais frágeis”, conta o pesquisador.

Não por acaso, foi na Chapada dos Veadeiros que os pesquisadores registraram o maior peso já levantado por macacos-prego. Um indivíduo desses pequenos primatas, que têm 3,5 quilos em média (machos adultos), foi filmado erguendo um martelo de 4,65 quilos. “São verdadeiros halterofilistas”, nota Falótico.

Medições

Os resultados são fruto de um trabalho minucioso. Nos três locais onde vivem as populações de macacos-prego estudadas foram documentados os alimentos mais encontrados nos sítios de quebra, como coco do babaçu, jatobá, castanha-de-caju e semente de maniçoba (um parente próximo da mandioca).

Foi documentada ainda a disponibilidade de pedras, além do tamanho e o peso das ferramentas encontradas. Com um aparelho especial, os pesquisadores mediram ainda a resistência de cada alimento encontrado. Por fim, observaram e filmaram como os macacos de cada uma das populações utilizavam as ferramentas com determinados alimentos.

“Esperávamos encontrar uma correlação muito direta entre o tamanho e peso da ferramenta e o alimento, mas a população da Chapada dos Veadeiros, que tem uma grande disponibilidade de rochas e poderia escolher maiores ou menores, usa predominantemente as maiores. Esse comportamento é provavelmente herdado dos antepassados, uma diferenciação cultural das outras populações”, afirma Falótico.

Outra amostra de que os macacos têm aprendizado cultural é que, em outras regiões do Brasil, como na Serra de Itabaiana, em Sergipe, e na Chapada Diamantina, na Bahia, também há macacos-prego do mesmo gênero, pedras e os mesmos frutos disponíveis. No entanto, não há sítios de quebra e, portanto, o comportamento de abrir os frutos para comer. Já na Serra das Confusões, os macacos quebram vários alimentos, menos a castanha-de-caju, ainda que esta seja abundante.

“Não é só a disponibilidade ou a escassez de recursos que define a ocorrência do comportamento, mas a herança cultural”, diz.

Os pesquisadores agora realizam análises genéticas das três populações para verificar se as diferenças culturais podem ser detectadas no genoma.

O trabalho teve apoio da FAPESP também por meio de bolsa concedida a Tatiane Valença na EACH-USP.

Caminhos do homem

Em outro trabalho, publicado no Journal of Human Evolution, Falótico e um time de arqueólogos da Espanha, Alemanha e do Reino Unido analisaram, em um experimento de campo, a formação de lascas de pedra pelos macacos-prego quando usavam diferentes tipos de rocha como bigorna.

Na natureza, os fragmentos são formados quando esses primatas batem uma pedra na outra para utilizar o pó produzido para passar no corpo e nos dentes. Não se sabe para que os macacos-prego usam esse produto, mas os pesquisadores acreditam que ele possa ter efeito contra parasitas. No experimento, a fragmentação das bigornas de material mais homogêneo também criou esses tipos de lascas.

As lascas, contudo, não são usadas pelos macacos, embora muito parecidas com as ferramentas líticas encontradas em sítios arqueológicos de várias partes do mundo. A hipótese dos pesquisadores é de que, antes de criarem lascas intencionalmente para usar como ferramentas, os primeiros seres humanos as obtiveram por acidente.

“Da mesma forma, em tese, os macacos-prego podem passar a usar lascas no futuro, caso um indivíduo inovador comece a usar e os outros aprendam observando. Por isso, esses primatas podem ser um modelo para entender a evolução humana”, aponta o brasileiro.

Em um trabalho anterior, o grupo mostrou como as ferramentas líticas usadas pela população de macacos-prego da Serra da Capivara ganham marcas específicas de acordo com o uso (leia mais em: agencia.fapesp.br/35137/).

A comparação das marcas nas ferramentas dos macacos com as dos hominídeos pode ajudar a desvendar como os primeiros humanos usavam esses instrumentos líticos. Com isso, os macacos-prego brasileiros abrem caminho para que se conheça melhor nossos antepassados.

O artigo Stone tools differences across three capuchin monkey populations: food’s physical properties, ecology, and culture está disponível em acesso aberto no link: www.nature.com/articles/s41598-022-18661-3.

E o estudo A primate model for the origin of flake technology pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0047248422001105.
 


Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Oportunidade de pesquisa com primatas

Nossa equipe de pesquisa no Parque Nacional de Ubajara está procurando voluntários graduandos ou recém-graduados para auxiliar na pesquisa de campo com os macacos-prego (Sapajus libidinosus).

Parque Nacional de Ubajara

As atividades envolvem o acompanhamento de um grupos de macacos-prego, do amanhecer ao anoitecer (15 dias/mês), e a coleta de dados ecológicos na área (5 dias/mês).

Será oferecido ajuda de custo de R$900,00 + alojamento + passagens (1 ida e 1 volta). Alimentação não inclusa.

Interessados entrar em contato pelo email pesquisa@neoprego.org , enviando carta de interese e experiências prévias.

Interações primatas

Alguns dos nossos pesquisadores acabam de publicar um estudo sobre as interações dos macacos-prego (Sapajus sp) com outros primatas em 3 áreas de estudo.

O trabalho foi publicado na revista Primates e descreve o que acontece quando macacos de espécies diferentes se encontram. Eles brigam, fogem, se ignoram?

Esse estudo foi feito com dados de 3 populações diferentes. Ciência é um trabalho colaborativo, especialmente para entender comportamentos mais raros, como essas interações. Juntos conseguimos resultados melhores!

Foram registrados interações dos macacos-prego (Sapajus libidinosus e S. nigritus) com 3 outros primatas: saguis (Callithrix), muriquis (Brachyteles) e bugios (Alouatta)

As interações com saguis foram raras e neutras. Os macacos-prego normalmente ignoram os saguis e estes ativamente evitam os macacos-prego.

Já os muriquis, bem maiores que os macacos-prego, são normalmente evitados ou ignorados pelos pregos.

As interação agressivas mais frequentes foram contra os pobres bugios, principalmente nas populações do nordeste! Os macacos-prego (normalmente juvenis) perseguiam e agrediam jovens bugios, mas sem acabar em predação. Um comportamento bem parecido com um bully. 

Video feito pelo Tiago Falótico mostrando os macacos-prego da Serra da Capivara atazanando alguns bugios. Essa era a interação mais comum nas 2 populações do nordeste estudadas.

Comparando as populações e grupos, foi verificado que grupos maiores e nas áreas mais secas/abertas são mais agressivos, mas que o tamanho corporal parece ser também um fator para o tipo de interação.

Quem quiser ler o artigo, aqui está o link da publicação: https://rdcu.be/cjZfi

Essa pesquisa foi feita por pesquisadores da NeoPrego e Universidade de São Paulo, com apoio da FAPESP e CNPq.

Referência: Falótico, T., Mendonça-Furtado, O., Fogaça, M. D., Tokuda, M., Ottoni, E. B., & Verderane, M. P. (2021). Wild robust capuchin monkey interactions with sympatric primates. Primates. https://doi.org/10.1007/s10329-021-00913-x

Cultura de uso de ferramentas por macacos-prego variou ao longo de 3 mil anos

Reproduzindo aqui a ótima repostagem sobre o trabalho da Arqueologia Primata, que acaba de publicar um artigo descrevendo ferramentas de até 3000 anos usadas pelos macacos-prego da Serra da Capivara.

Cultura de uso de ferramentas por macacos-prego variou ao longo de 3 mil anos

Macho adulto quebra castanha-de-caju, observado de perto por um jovem (primeiro plano) e uma fêmea (ao fundo)

Tiago Falótico / USP

Enquanto arqueólogos escavam o solo duro e seco da Caatinga no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, em busca de vestígios do passado, macacos-prego logo ao lado usam pedras para quebrar cocos, sementes e castanhas-de-caju. Provavelmente de modo semelhante ao que fazem há pelo menos 3 mil anos, como revela parceria entre pesquisadores da Inglaterra e do Brasil. “Eles vão se tornando um pouco primatólogos, enquanto nós viramos um pouco arqueólogos”, conta o biólogo Tiago Falótico, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), que coordenou as escavações mais recentes. Há seis anos ele e seu antigo supervisor Eduardo Ottoni, do Instituto de Psicologia da USP, trabalham em parceria com os arqueólogos britânicos Michael Haslam e Tomos Proffitt, do University College London, na investigação de como viviam os macacos. Descobriram que, assim como acontece hoje entre diferentes grupos de primatas, no passado a cultura de uso de ferramentas variou, como descreve artigo publicado nesta segunda (24/6) na revista Nature Ecology & Evolution. “É a primeira vez que se constata essa variação cultural em registros arqueológicos de primatas não humanos”, afirma Falótico.

Há alguns anos as escavações por lá revelaram que os macacos-prego da serra da Capivara (Sapajus libidinosus) já usavam pedras para quebrar castanhas-de-caju em tempos pré-colombianos. Chimpanzés, que desbancaram o uso de ferramentas como característica definidora dos seres humanos, já manejavam pedras há 4 mil anos de acordo com escavações na Costa do Marfim, na África. Mas lá não há sinais de que tenham alterado o comportamento.

Os macacos-prego são ricos em variações de comportamento, que alguns especialistas chamam de culturas. Há grupos que usam pedras, outros preferem gravetos. Depende do tipo de alimento disponível em cada área, mas também do que os jovens de cada população aprendem com os mais velhos. Da mesma maneira, à medida que foram escavando mais fundo – e regredindo no tempo – os pesquisadores encontraram variação. O material depositado entre 2.400 e 3 mil anos atrás revela o uso extenso de pedras pequenas, cheias de quebras causadas por impactos repetidos. Provavelmente eram usadas para processar alimentos menos duros do que castanhas-de-caju. “Hoje eles usam pedras semelhantes para quebrar sementes e frutos como os da maniçoba [Manihot pseudoglaziovii], uma planta da família da mandioca”, conta Falótico, que interpreta as marcas no material arqueológico com base no que os macacos fazem hoje. Infelizmente não foi possível detectar resíduos dos alimentos nas pedras encontradas, mas ele ainda não desistiu. “Outras áreas podem ter condições de preservação diferentes que um dia nos permitam identificar resíduos.”

Na fase seguinte, entre aproximadamente 565 e 640 anos atrás, conforme datação de fragmentos de carvão resultantes de queimadas e presentes no sedimento, os macacos ainda usavam pedras pequenas, mas já existiam mais bigornas – superfícies planas onde apoiam o alimento no momento da quebra. Mais recentemente, eles parecem ter começado a usar pedras maiores que permitem processar castanhas bem duras e disseminaram o uso de bigornas. Eles chegam a erguer acima da cabeça pedras de cerca de 3 quilogramas, semelhante ao próprio peso. Também usam pedras para cavar e paquerar, entre outras utilidades.

É impossível estabelecer os motivos dessa variação no registro arqueológico. Será que começavam a desenvolver as técnicas e aos poucos foram descobrindo que funcionava e explorando fontes alimentares antes inacessíveis? Ou grupos da mesma época já tinham costumes variáveis, transmitidos de uma geração para outra, e a escavação de outros sítios revelará uma diversidade cultural já nos tempos mais antigos? Ou, ainda, em certos momentos os alimentos disponíveis não exigiam maiores esforços? Todas são possibilidades plausíveis, embora a análise de amostras de pólen fossilizado revele que há 7 mil anos já havia cajueiros na região. Não significa, porém, que estivessem constantemente em todos os lugares, pode ter havido variação na abundância dessa árvore.

O trabalho – dos macacos no manejo das pedras e das pessoas que os estudam – continua, e Falótico divide seu tempo de trabalho de campo entre as escavações e a observação do comportamento atual. “Gosto mais de seguir os macacos do que de ficar agachado cavando”, confessa. Ele tem se concentrado em estudar os padrões das lascas obtidas pela quebra das pedras batidas umas contra as outras, que alguns anos atrás se mostraram indistinguíveis daquelas produzidas pelos homens das cavernas. A região, onde registros da ocupação humana podem estar entre os mais antigos do continente, ainda parece ter muito a revelar sobre as atividades de pessoas e macacos ao longo de milhares de anos.

“Pode haver sítios ainda não encontrados relacionados a primatas”, diz a arqueóloga Mercedes Okumura, do Instituto de Biociências da USP, que não tem conhecimento de outro sítio comparável em termos de documentação de arqueologia envolvendo tanto seres humanos como outros primatas. Ela é coautora de um artigo publicado em 2018 na revista Quaternaire que descreve a formação das camadas arqueológicas do boqueirão da Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, levando em conta as contribuições de pessoas e macacos (contou para isso com acesso aos dados do grupo de Falótico). Entre os achados das escavações é difícil dizer quem produziu as lascas mais simples, ela conta, mas atribui com segurança a seres humanos estruturas mais complexas de pedra lascada. Ela vê como frutífera a relação com os arqueólogos-primatólogos. “Me refiro realmente a uma via de mão dupla: quem faz arqueologia ‘humana’ pode aprender muito também ao estudar esses casos relacionados a outros primatas.”

Projetos

1. Uso de ferramentas por macacos-prego (Sapajus libidinosus) selvagens: ecologia, aprendizagem socialmente mediada e tradições comportamentais (nº 2014/04818-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa — Temático; Pesquisador responsável Eduardo Benedicto Ottoni (USP); Investimento R$ 611.005,29.

2. Uso de ferramentas por macacos-prego: aprendizagem e tradição (nº 2013/05219-0); Modalidade Bolsa de pós-doutorado; Pesquisador responsável Eduardo Benedicto Ottoni (USP); Beneficiário Tiago Falótico; Investimento R$ 423.450,88.

Artigos científicos

FALÓTICO, T. et al. Three thousand years of wild capuchin stone tool use. Nature Ecology & Evolution. on-line. 26 jun. 2019.

PARENTI, F. et al. Genesis and taphonomy of the archaeological layers of Pedra Furada rock-shelter, Brazil. Quaternaire. v. 29, n. 3, p. 255-69. nov. 2018.

Republicar

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

 

An italian in the Atlantic Forest | Uma italiana na Mata Atlântica | Un’italiana nella Foresta Atlantica

This is the report of our collaborator Giulia Assogna about her field work time in Rio do Brasil reserve this year. Text in English, Português e Italiano.

An Italian in the Atlantic Forest

Giulia Assogna

I had the pleasure of collaborate with the NGO Neotropical Primates Research Group in May and June 2018, staying at Private Reserve Rio do Brasil (Porto Seguro, southern Bahia), a Brazilian Atlantic Forest area, preserved since 2008. My assistance in NeoPrego’s research was part of an international project called “TornoSubito”, financed and supported by Regione Lazio (Italy). In this project, I participate as a biologist and educator.

For me, who lived my whole life in a big city, Rome, it was an incredible experience to live so close to nature. Every day, at sunrise, my alarm was the chirping of the birds outside the window and the bass lines of the guigó (Callicebus melanochir) heard from distance.

DSC_MACACODACRISTA copiaMy main daily task was to walk in the bush among huge trees, coatis and blue butterflies looking for groups of crested capuchin monkeys (Sapajus robustus). The objective of the research was to habituate them to human presence and to acquire as much information as possible about the populations there, whose habits are still little known by science. The crested capuchin monkey is a species of capuchin monkey endemic to Brazil, that lives in a small range of Atlantic Forest between southern Bahia, east of Minas Gerais and Espírito Santo, and south of Rio Jequitinhonha and north of Rio Doce. It is estimated that the population of this species has declined by 50% over the past 48 years and has been listed as an endangered species. The main causes of this decline are habitat fragmentation and loss of territory in which these animals live to give way to livestock and cacao crops. Knowing the habits of a species is the first step for formulating a successful conservation strategy.

Caxinguele - Squirel

In my stay at the reserve I walked a lot, even in the scorching sun or torrential rain days, accompanied by the valiant local guides. They, with love and experience, taught me to recognize the different noises and to pay attention to every minute detail.

To my great satisfaction, I memorized all the tracks and the secret shortcuts among the trees. Also, I spent many hours in a cabin of branches and leaves, skillfully built by the reserve workers, in the only area where the canopy of trees left space for sunlight. There, two automatic traps were placed, and within these we brought fruit and boiled eggs to lure the monkeys. In the hut, quiet for not revealing our presence, we expected at least one individual to get in the trap to eat. In this way we hoped to capture him, install the radio collar and thus follow the group to which he belonged. In the first few days I was in hiding 12 hours a day, along with Dr. Tiago Falótico, hoping that the capture would work. Unfortunately, this has not happened yet. But in the hours of waiting, the silence was magnetic, intense as only the voice of nature knows to be. Outside, the smell of damp moss, mingled with the warmth of the air and the energetic sky interlaced brightly between the trees and leaves, giving the skin a strange sensation. It was like being inside a magic bubble suspended in time.

When, on the way, we heard noises from leaps between branches, we knew the monkeys were very close to us. Then we would hide and stand behind a tree, waiting for the right moment to watch the animals up the forest, record a video or take some photos. Each time, I had to register the GPS point of the encounter, an important action to then designate a fairly accurate map of the area of ​​the species in the reserve.

Before the experience in Brazil, I had never seen a primate outside a zoo. Seeing so many of them all together in their natural habitat made me tremble with emotion. It was an indescribable surprise. They were curious, and at the same time they were afraid. The more daring studied us attentively, and from the top, blinked their eyes in our direction to understand what we were doing. Others, more timid, appeared among the leaves, and soon after hid, fearful of my camera noises. I saw them walk, jump, eat, rub, play, cross their tails, threaten us with branches as a defense. Each time, I saw the force of evolution stand proud in front of my eyes.

Into the woods

Around the place prepared for capture, the forest remained powerful, wild and intact. It always amazed me the unlimited shades of green and the streams that appear suddenly after a rainy day. I enjoyed following the flight of those blue butterflies, large as a hand, and I loved waiting for the redness of the sunset hidden among the palm trees. Before bed, I loved to watch the elegant dance of the fireflies that illuminated the compact darkness of the night.

Every look in the woods gave a feeling of immensity and peace that filled the heart with astonishment. Everything made living a serenity that now has become almost necessity.

NeoPReGo has given me the opportunity to follow for the first time scientific field research, to see stunning landscapes and to independently collect unpublished data on animals difficult to find in the natural habitat. In addition, I had the privilege of knowing a simple and pure culture, truly linked to the fundamental values ​​of existence. I have met good people whose lives are still far from the futile superficiality of this world.

I know that I learned a lot as a researcher, of a sometimes hostile nature, and sometimes a friend. And I know that I grew up as a person, with the wisdom of untiring and patient men. Resolved men, passionate about the bush and the earth, that thrill and offer food in abundance.

Now I went back to my house in Rome. Smiling, I look at the taken photos with affection and I am deeply grateful to have known the wonders of an authentic, difficult and welcoming world of which we, ungrateful, have often forgotten.

Giulia Assogna


Uma italiana na Mata Atlântica

Tive o prazer de colaborar com a ONG Neotropical Primates Research Group nos meses de maio e junho 2018, ficando na RPPN Rio do Brasil (Porto Seguro, sul da Bahia), área de Mata Atlântica brasileira preservada desde 2008. Meu trabalho na pesquisa da NeoPrego foi parte de um projeto internacional chamado “TornoSubito”, financiado e suportado da Regione Lazio (Italia). Neste projeto, eu participo pessoalmente como bióloga e educadora.

Para mim, que a vida toda morei numa cidade grande como Roma, foi uma experiência incrível viver tão perto da natureza. Todos os dias, ao raiar do sol, meu alarme foram o chilrear dos passarinhos fora da janela e os versos  graves dos guigó (Callicebus melanochir) ouvidos a distância.

DSC_mataatlanticaMinha tarefa cotidiana principal era andar no mato entre arvores enormes, quatis e borboletas azuis procurando os grupos de Sapajus robustus. O objetivo da pesquisa era habituar eles á presença humana e adquirir o máximo de informações possíveis sobre as populações presentes, cujos  hábitos são ainda pouco conhecidos pela ciência. O macaco-prego-de-crista (Sapajus robustus) é uma espécie de macaco-prego endêmica do Brasil que vive em uma faixa restrita de Mata Atlântica entre o sul da Bahia, leste de Minas Gerais e Espírito Santo, e ao sul do Rio Jequitinhonha e norte do Rio Doce.  Estima-se que a população desta espécie tenha sofrido um declínio de 50% nos últimos 48 anos, fazendo com que entrasse na lista das espécies consideradas ameaçadas. As principais causas desse declínio são a fragmentação do hábitat e a perda do território em que esses animais vivem para dar lugar à criação de gado e ao plantio de cacau. Conhecer os hábitos de uma espécie é o primeiro passo para formular uma estratégia de conservação que seja exitosa.

IMG_3072Na minha estadia na RPPN andei muito, mesmo nos dias de sol abrasador e nos dias de chuva torrencial, acompanhada pelos valorosos guias locais. Eles, com amor e experiência, me ensinaram a reconhecer os diferentes barulhos e a prestar atenção a cada minúsculo detalhe.

Com minha grande satisfação, memorizei todas as trilhas e os atalhos secretos entre as árvores.  Também, passei muitas horas numa cabana de galhos e folhas, construída com habilidade pelos funcionários da reserva, na única área em que o dossel das árvores deixava espaço livre para a passagem dos raios do sol. Lá, foram colocadas duas armadilhas automáticas, e dentro destas nós trazíamos frutas e ovos cozidos para atrair os macacos-prego. Na cabana, calados para não revelar nossa presença, esperávamos que pelo menos um indivíduo entrasse para comer. Desta maneira podíamos capturar ele, pôr o radio colar e assim seguir nos meses seguintes o grupo ao qual ele pertencia. Nos primeiros dias fiquei no esconderijo 12 horas diárias, junto com o dr. Tiago Falótico, com a esperança que a captura desse certo. Infelizmente, ela ainda não teve sucesso. Mas, nas horas de espera, o silêncio era magnético, intenso como só a voz da natureza sabe ser. Fora daí, o cheiro de musgo úmido, misturado com o calor do ar e o céu enérgico entrelaçava brilhantemente entre as árvores e as folhas, restituindo à pele uma sensação estranha. Era como estar dentro de uma bolha mágica suspensa no tempo.

DSC_ALBAQuando, andando, escutávamos barulhos de pulos entre galhos, sabíamos que os macacos ficavam bastante perto de nós. Então, nos escondíamos imóveis e atentos atrás de uma árvore, esperando o momento certo para observar os animais no alto, gravar um vídeo ou tirar umas fotos. Cada vez, eu tinha que registrar  o ponto GPS do encontro, ação importante para depois designar um mapa bastante preciso da área da espécie na reserva.

Antes da experiência no Brasil, eu nunca tinha visto um primata fora dum jardim zoológico. Ver tantos deles todos juntos no seus habitat natural fazia que eu tremesse de emoção. Foi uma surpresa indescritível.  Eles eram curiosos, e ao mesmo tempo tinham medo. Os mais atrevidos nos estudavam atentamente, e desde o alto piscavam os olhos na nossa direção como para entender o que estávamos fazendo. Outros, mais tímidos, apareciam entre as folhas, e logo depois se escondiam, temerosos pelos barulhos da minha câmera fotográfica. Eu os vi andar, pular, comer, esfregar-se, brincar, cruzar os rabos, ameaçar-nos com galhos como defesa. Cada vez, percebi a força da evolução destacar-se orgulhosa em frente aos meus olhos.

Ao redor do lugar preparado para captura, a mata persistia poderosa, selvagem e intacta. Ela me surpreendia sempre com as ilimitadas tonalidades de verde e os cursos d’água que surgiam de repente logo depois dum dia de chuva. Gostei de seguir o voo daquelas borboletas azuis, grandes como uma mão, e adorei esperar a vermelhidão do pôr do sol escondido entre as palmeiras. Antes de dormir, eu amava observar a dança elegante dos vaga-lumes que iluminava a escuridão compacta da noite.

Cada olhada na mata doava uma sensação de imensidão e de paz que inchava o coração de assombro. Tudo fazia viver uma serenidade que agora se tornou quase necessidade.

img_3115A NeoPReGo deu para mim a oportunidade de seguir pela primeira vez uma pesquisa científica de campo, de ver paisagens impressionantes e de coletar autonomamente dados inéditos sobre animais difíceis de encontrar no habitat natural. Além disso, tive o privilégio de conhecer uma cultura simples e pura, verdadeiramente ligada aos valores fundamentais da existência. Conheci pessoas boas, cuja vida segue ainda distante da superficialidade inútil deste mundo.

Sei que aprendi muito como pesquisadora, de uma natureza as vezes hostil, e as vezes amiga. E sei que cresci como pessoa, com a sabedoria de homens incansáveis e pacientes. Homens resolvidos, apaixonados pela mata e pela terra, que emociona e oferece comida em abundância.

Agora voltei a minha casa, em Roma. Sorrindo, olho para as fotos coletadas com carinho e fico profundamente agradecida por ter conhecido as maravilhas de um mundo autêntico, difícil e acolhedor, de qual nós, ingratos, muitas vezes nos esquecemos.

Giulia Assogna


Un’italiana nella Foresta Atlantica

Ho avuto il piacere di collaborare con la ONG “NeoPReGo” (Neotropical Primates Research Group) nei mesi di maggio e giugno 2018 a Porto Seguro, sud dello stato di Bahia (Brasile), nella “Reserva Particular do Patrimonio Natural Rio do Brasil”, una porzione di Foresta atlantica brasiliana preservata dal 2008. Il mio contributo al lavoro della NeoPreGo nella Riserva è stato parte di un progetto di mobilità internazionale chiamato TornoSubito, sviluppato e supportato dalla regione Lazio (Italia), cui partecipo in quanto biologa ed educatrice.

Sapajus_robustus copiaPer me, che ho sempre vissuto in una grande città come Roma, è stata un’esperienza meravigliosa vivere a così stretto contatto con la natura. Il cinguettio degli uccelli e il richiamo potente dei Guigò (Callicebus melanochir), udito in lontananza, erano la mia sveglia, all’alba. Il mio maggior incarico quotidiano in foresta consisteva nel ricercare i gruppi di Sapajus robustus (Cebi dal ciuffo), specie endemica della Mata Atlantica brasiliana, incontrando farfalle turchesi, procioni sudamericani, alberi imponenti e foglie giganti. L’obiettivo dello studio era acquisire quante più informazioni possibili riguardo le popolazioni di questa specie presenti nell’area, le cui abitudini sono ancora poco conosciute alla scienza. Sapajaus robustus è infatti una specie minacciata di estinzione principalmente a causa della perdita di habitat, modificato per far spazio a piantagioni di cacao, di caffè e per l’allevamento del bestiame. Secondo la IUCN c’è stato un declino del 50% della numerosità della specie negli ultimi 48 anni, tanto che il suo areale è ormai limitato alla regione compresa tra il sud di Bahia, nord di Espírito Santo e nord-est di Minas Gerais. Conoscere le abitudini della specie è il primo passo per poter formulare una strategia di conservazione ottimale.

IMG_3107Durante la mia permanenza nella RPPN ho camminato senza sosta, accompagnata da valide ed esperte guide locali, sia nelle giornate torride, sia sotto ai temporali. Loro, con perizia e amore, mi hanno insegnato a distinguere i suoni della foresta e a fare attenzione ad ogni piccolo dettaglio. Con mia grande soddisfazione, ho imparato a memoria i percorsi, le scorciatoie e i passaggi segreti tra gli alberi. Ho trascorso anche tante ore in una capanna di foglie, costruita con maestria dai lavoratori della riserva, nell’unica area dove la canopy vegetale lasciava un po’ di spazio libero al passaggio dei raggi del sole. Lì avevamo collocato due gabbie automatiche, e all’interno di queste posizionavamo della frutta fresca e delle uova sode per attrarre gli individui. In silenzio, per non rivelare la nostra presenza, aspettavamo nella capanna che almeno uno di loro entrasse a mangiare, per poi catturarlo, apporre il radiocollare e poter seguire così il suo gruppo di appartenenza nei mesi successivi. Nei primi giorni sono rimasta all’interno del nascondiglio per 12 ore consecutive, insieme al dottor Tiago Falotico, sperando, invano, che la cattura avesse successo.

Nelle interminabili ore di attesa il silenzio era magnetico, profondo come solo la voce della Natura sa essere. Fuori da lì, l’odore di muschio umido, misto al caldo dell’aria e al cielo potente che s’intrecciava luminoso tra i rami e le foglie, mi restituivano una sensazione strana, come di essere rinchiusi in una bolla sospesa nel tempo. Camminavamo ininterrottamente, dall’alba al tramonto. Quando riuscivamo a sentire rumore di salti tra i rami, sapevamo che i cebi erano abbastanza vicini a noi. Allora ci nascondevamo dietro qualche albero, immobili e vigili, aspettando il momento opportuno per registrare un video o fare qualche foto. Dovevamo segnare il punto GPS, per poi poter ricostruire una mappa sufficientemente precisa dell’areale della specie.

Prima di questa esperienza in Brasile, io non avevo mai visto un primate fuori da un giardino zoologico, e vederne tanti tutti insieme nel loro habitat naturale mi faceva tremare dall’emozione. Era una sorpresa indescrivibile. Erano curiosi, e al tempo stesso avevano paura. I più sfacciati ci studiavano attentamente, e strizzavano gli occhi guardandoci dall’alto. Altri, più timidi, facevano capolino da dietro le foglie, e si nascondevano subito dopo, spaventati dal rumore della macchina fotografica. Li ho visti camminare, saltare, grattarsi, giocare, incrociare le loro lunghe code e minacciarci con i rami in segno di difesa. Ogni volta, ho percepito la forza dell’evoluzione stagliarsi fiera davanti ai miei occhi. La foresta incontaminata, vivace e temibile al tempo stesso, si estendeva tutt’intorno all’area predisposta alla cattura. Mi sorprendeva sempre con i suoi innumerevoli toni del verde e i corsi d’acqua impetuosi, che sorgevano all’improvviso poco dopo un acquazzone.  Mi affascinava seguire il volo inquieto delle farfalle, grandi quanto il palmo di una mano, e con gioia aspettavo il rosseggiare del tramonto nascosto tra le palme. Prima di dormire, osservavo incantata la danza elegante delle lucciole, che rischiarava il buio fitto della notte. Ogni sguardo nella foresta regalava una sensazione d’immensità e di pace che riempiva il cuore di stupore, e faceva vivere un’armonia che ora mi sembra un’esigenza.

26478144_UnknownLa NeoPReGo mi ha dato l’opportunità di accompagnare per la prima volta una ricerca scientifica su campo, di vedere paesaggi impressionanti e di raccogliere in autonomia dati inediti su animali difficili da incontrare nel loro habitat. Oltre a questo, ho avuto il piacere e l’onore di conoscere una cultura semplice e genuina, veramente legata ai valori fondamentali della vita e ancora lontana dalla superficialità inutile che sembra ormai inevitabile in questo mondo.

So di aver imparato tanto come ricercatrice, da una natura a volte ostile e a volte amica. E so di essere cresciuta come persona, grazie alla saggezza di uomini infaticabili e pazienti. Uomini innamorati della loro terra, che emoziona e offre cibo in abbondanza.

Ora sono tornata a casa, a Roma. Sorridendo guardo le foto raccolte con cura, e mi sento profondamente fortunata per aver conosciuto le meraviglie di un mondo autentico, difficile ma accogliente, di cui noi, ingrati, troppo spesso ci dimentichiamo.

Giulia Assogna

New publications | Novas publicações

The past two months have been busy for the Neoprego team. Several papers involving team members have been published in many important journals and we have participated on the Brazilian Primatology Conference.

Adult male capuchin monkey using a stone to dig for roots.
Adult male capuchin monkey using a stone to dig for roots.

On July the paper from Tiago Falótico about the digging tool use by Serra da Capivara capuchins was published on Scientific Reports.  This paper describes the digging stone tools used to access food items by two groups of capuchins on Serra da Capivara, a behavior that, so far, was only register in that population.

On September a conjoint paper from Tiago and Michele Verderane was published on Primates. This paper describes an amazing behavior of capuchin monkeys, that can both eat or threat snakes, depending on the level of danger posed by the snake. The monkeys threat and mob potentially dangerous snakes, but capture and eat harmless ones. It may be seems obvious, but no primate other than humans do that, usually presenting only the fear response when facing snakes.

Boa snake
Boa constrictor snake from Serra da Capivara National Park. Credit: T. Falótico

Still in September, Tiago and the PrimArch team published a review paper about Primate Archaeology, showing up the accomplishments of this new research area and future directions. This paper was published on Nature Ecology & Evolution.

Finally, Mariana Fogaça and Tiago had a wonderful participation on the Brazilian Primatology Congress, held at Pirenópolis-GO, presenting the latest developments of their research and joining interesting discussions.

Credit picture of monkey eating snake: Noemi Spagnoletti


[versão em português]

Os dois últimos meses tem sido agitados para os membros da Neoprego. Vários artigos envolvendo membros da ONG foram publicados em importantes revistas e nós participamos do Congresso Brasileiro de Primatologia 2017..

No final de Julho o artigo de Tiago Falótico sobre as ferramentas para escsavar usadas pelos macacos-prego da Serra da Capivara foi publicado na revista Scientific Reports.  Esse trabalho descreve as ferramentas de pedra usadas por dois grupos de macacos da Serra da Capivara para acessar alimentos, um comportamento que até o momento só foi registrado nessa população.

Em Setembro um artigo conjunto de Tiago e Michele Verderane foi publicado na revista Primates. Este trabalho descreve o incrível comportamento dos macacos-prego, que podem predar ou ameaças cobras, dependendo do nível de perigo que a cobra representa. Os macacos ameaçam e dão alarme a cobras potencialmente perigosas, mas capturam e comem as inofensivas. Isso pode parecer óbvio mas, além dos humanos, nenhum outro primata tem esse tipo de resposta, geralmente apresentando somente a resposta de medo ao encontrar serpentes.

Fig-1-Locations-and-examples-of-stone-tool-use-by-wild-non-human-primates-and-early

Ainda em Setembro, Tiago e o grupo PrimArch publicaram um artigo de revisão sobre a Arqueologia Primata, mostrando as realização dessa nova área de pesquisa e caminhos futuros. Este artigo foi publicado na revista Nature Ecology & Evolution.

Congresso Primatologia 2017
Mari e Tiago no Congresso Brasileiro de Primatologia 2017

Por fim, Mariana Fogaça and Tiago tiveram uma maravilhosa participação no Congresso Brasileiro de Primatologia, realizado em Pirenópolis-GO, onde apresentaram os últimos resultados de suas pesquisas, fazendo contatos para parcerias futuras e participando de interessantes discussões.

Crédito da foto do macaco comendo a cobra: Noemi Spagnoletti