Neoprego está procurando uma pessoa motivada e que se interesse pela área da primatologia para fazer parte da equipe do projeto CapCult. O projeto é coordenado pelo Dr. Tiago Falótico e é parte do Wildlife Intelligence Project, da National Geographic Society.
Essa pessoa fará parte, por pelo menos um ano, da equipe que estuda a população de macacos-prego do Parque Nacional Serra da Capivara. O bolsista fará o acompanhamento dos macacos e coletará dados comportamentais e ecológicos, além de auxiliar em outras pesquisas que ocorram na área. A pessoa também auxiliará na organização dos dados coletados (baixar e renomear arquivos, codificação de comportamentos, armazenar amostras). O cronograma semanal será inicialmente no esquema 5 dias de campo, 1 no laboratório e 1 de descanso
O projeto é de longo prazo e multidisciplinar, com equipe brasileira e estrangeira, sendo uma oportunidade para quem tem interesse em ganhar experiência, fazer conexões e continuar a trabalhar na área.
O início das atividades está previsto para fevereiro/2026.
Requisitos básicos
Disponibilidade para residir em Coronel José Dias (PI), onde está a base de pesquisa da Neoprego
A Neoprego oferece alojamento gratuito para o assistente, mas seu uso não é obrigatório
Caso use o nosso alojamento, deverá seguir as regras do local, determinadas pela responsável local
Graduação em biologia ou área correlata
Pessoas no último ano, que já não tenham que cursar disciplinas, podem ser consideradas
Condição física para trabalho de campo
O clima é semiárido (quente e seco) e com terreno acidentado.
O campo é durante todo o dia.
CNH de carro, válida (ou veículo próprio)
Interesse em primatologia
Inglês intermediário
Requisitos desejáveis
Conhecimento sobre primatologia
Experiência com macacos-prego em vida livre e identificação de indivíduos
Experiência em trabalho de campo
Experiência em coleta de dados comportamentais (filmagens)
Inglês avançado
CNH de moto, válida
Terão preferência na seleção pessoas do Piauí ou do Nordeste, nessa ordem.
O que oferecemos
Alojamento em Coronel José Dias, em quarto compartilhado
Reembolso do deslocamento (ida e volta) até Coronel José Dias(após 1 ano de contrato, válido para voo doméstico e/ou ônibus)
Bolsa de R$ 1.300/mês
Treinamento em coleta e análise de dados
Inscrição
ATÉ 07/01/2026
Envie para o email abaixo:
uma carta de intenção explicando suas qualificações e interesse na vaga
Inclua contato de 2 (duas) referências acadêmicas ou de trabalho
Notícia publicada na Agência FAPESP em julho/2023 sobre as pesquisas do projeto CapCult, que é desenvolvido por alguns dos nossos membros.
Karina Ninni | Agência FAPESP – Em artigo publicado recentemente no American Journal of Biological Anthropology, o primatólogo Tiago Falótico e o etólogo Eduardo Ottoni correlacionam a diversidade no uso de ferramentas à terrestrialidade em um grupo de macacos que habita a Serra da Capivara (PI). Segundo Falótico, o grupo é bastante peculiar e faz uso de ferramentas como nenhum outro observado antes.
“Mensuramos que os macacos-prego do Parque Nacional da Serra da Capivara passam 41% do tempo no chão, o que é uma taxa altíssima. Os macacos neotropicais são quase todos arborícolas, então há poucos relatos sobre esse tema. A literatura aponta que primatas neotropicais passam normalmente menos de 1% do tempo no chão. Agora, há esses macacos de Cerrado e Caatinga que ficam muito tempo no chão. E eles eram pouco estudados”, resume Falótico, que é pesquisador da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP).
Ele explica que o contexto do uso de ferramentas é bastante diverso nesse grupo em relação a outros, como o da Fazenda Boa Vista, também no Piauí. “Lá na Boa Vista, eles só usam as ferramentas para quebrar cocos. Mas passam, em média, 27% do tempo no chão, o que já é bastante para esses primatas. Na Serra da Capivara, eles quebram cocos, sementes e escavam com as ferramentas de pedra em busca de alimentos, como aranhas, batatinhas e raízes. Também batem pedras para comunicar agressão, como forma de ameaça.”
Em outro trabalho, publicado em 2013, a dupla de cientistas já havia demonstrado que as fêmeas desse grupo específico da Serra da Capivara haviam até mesmo incorporado um novo comportamento para “exibição sexual”, utilizando pedrinhas. “Elas jogam pedrinhas nos machos para chamar a atenção. Nos macacos-prego, as fêmeas, quando entram no cio, adotam comportamentos como vocalizações e expressões faciais para chamar a atenção do macho. Nesse grupo percebemos o comportamento inovador de jogar as pedrinhas.”
Ele afirma que a correlação entre a terrestrialidade e o uso de ferramentas era uma hipótese. “Os macacos-prego de algumas populações usam ferramentas porque têm necessidade. Têm pouca comida e precisam usar ferramentas. Nós e outros grupos já havíamos demonstrado a ‘hipótese da oportunidade’: quando eles têm o recurso [as pedras e o alimento] disponível, eles começam a usar ferramentas e as usam mais. Neste último trabalho, o que eu queria mostrar é se essa população, que tinha diversidade maior de ferramentas, era também mais terrestre. E a comparei com a da Fazenda Boa Vista, que fica no mesmo Estado. As duas populações usam ferramentas, mas a da Serra da Capivara usa uma diversidade muito maior.”
Tempo e recursos
Segundo o primatólogo, quanto mais tempo os macacos passam no chão, mais oportunidade têm acesso ao recurso, até o ponto de inovar, como no caso das fêmeas que arremessam pedrinhas. “É preciso estar no chão um bom período para ter tempo de inovar, o que esse grupo da Serra fez, inclusive, com ferramentas para cavar.”
Ainda de acordo com ele, a terrestrialidade não é o único fator que influencia o uso de maior diversidade de ferramentas. “A disponibilidade do recurso é outro fator. A Fazenda Boa Vista tem menos recurso lítico, então pode ser que isso influencie também. Mas, por outro lado, sabemos que um fator que limita o uso de ferramentas de pedra é o tamanho. A Fazenda Boa Vista tem pedras grandes, pois os macacos ali quebram cocos grandes. Ora, se tem pedra grande, tem pequena também. Mas, eles não as usam para cavar, como os da Serra da Capivara.”
Para chegar à taxa de uso do solo pelos macacos-prego, os cientistas usaram uma amostragem de varredura. “Seguimos o grupo durante dois anos, praticamente todos os dias. Eram 30 a 40 indivíduos, metade adultos e metade imaturos. A cada 20 minutos, tomávamos nota das atividades de todos. É uma metodologia básica para estudo de comportamento de animais sociais, que vivem em grupo. Além do uso de ferramentas, eu estava prestando atenção ao que estavam comendo, se estavam fazendo grooming [catação] ou se deslocando. Incluí ainda na observação o local em que eles estavam [altura do chão]. Neste caso, para ver o estrato do espaço que estavam utilizando. Tenho esses dados agrupados por estação: chuvosa e seca. E por indivíduo: adulto, juvenil, macho e fêmea.”
Falótico afirma que uma hipótese descrita na literatura científica – de que as fêmeas teriam aversão a risco e iriam menos para o chão – não foi confirmada pela dupla que assina o trabalho. “Não percebemos diferenças de sexo na ida para o solo. Há diferença, mas pouca, quando se compara o tempo que o grupo, no geral, passou no chão (41%) e o tempo em que apenas os indivíduos adultos passaram no chão (43%).”
O primatólogo adianta que, em um futuro trabalho, pretende-se verificar se uma terceira população encaixa-se nessa hipótese da correlação entre a terrestrialidade e a diversidade de uso de ferramentas. “É uma população do Ceará, do Parque Nacional de Ubajara, que estamos estudando. Também nos interessa a influência da terrestrialidade no uso de ferramentas, inclusive a ideia de percepção de risco no solo. Tentar perceber a resposta deles ao que percebem como risco, se os macacos estão mais atentos a possíveis perigos quando estão no solo.”
Cuidados adaptados
O trabalho com a população do Parque de Ubajara gerou um segundo artigo, publicado na revista Primates e assinado por Tatiane Valença, mestre em psicologia experimental pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com Falótico. O artigo descreve a vida e a morte de um macaco infante que, por conta de uma deficiência na perna, viveu apenas 2 meses. E mostra que a terrestrialidade pode influenciar, inclusive, o comportamento dos macacos- prego em relação a indivíduos deficientes.
“Nossa contribuição maior, neste caso, foi saber como a fêmea lida com esse indivíduo que está se comportando de modo diferente. Os cuidados com o filhote deficiente antes da morte ainda não estavam descritos na literatura. Trata-se de um relato pioneiro para macacos-prego. De forma geral, esses cuidados não diferem muito do repertório já conhecido, mas houve alguns ajustes, porque o filhote apresentava uma instabilidade na posição em que ficava, nas costas da mãe. Como ele não conseguia se agarrar como os outros, a mãe aumentou a frequência de ajuste do filhote nas costas. Ajustar a posição do filhote é um comportamento normal, mas, neste caso, ela fez isso mais vezes. Um macho adulto que também carregou esse filhote deficiente algumas vezes aumentou igualmente a frequência de ajuste”, relata Valença.
Ela ressalta que a novidade é a hipótese de que a terrestrialidade possa ter influenciado a evolução do comportamento (ou dos cuidados) com indivíduos deficientes. “A hipótese de a arborealidade dificultar o carregamento de indivíduos mortos tinha sido proposta na literatura. Mas a hipótese de que isso poderia afetar o cuidado com indivíduos deficientes é algo que estamos propondo agora, a partir do que observamos.”
Valença lembra que o carregamento da cria depois de morta é comum. “Normalmente, esse vínculo de carregar e fazer catação se mantém depois da morte do filhote. Quanto tempo isso dura é que varia. Ela carregou o corpo por horas e não forrageou nada durante esse tempo, além de moscas que estavam no corpo. Não foi atrás de frutos, nem invertebrados e não estava se alimentando. Carregou um corpo com 14% do peso dela por mais de um quilômetro.”
O comportamento, porém, é mais extensamente observado em macacos terrestres, como os chimpanzés ou os Macaca fascicularis (ou macaco-cinomolgo). “Tem as que largam depois de algumas horas, tem as que carregam por dias. Há casos extremos até, de chimpanzés, que carregam por meses um filhote morto.”
No caso do macaco-prego, um outro cuidado que a fêmea tomou, e que não passou despercebido pelos pesquisadores, foi usar a cauda para segurar o filhote na hora de quebrar cocos. “Geralmente, para se estabilizar durante a atividade, eles costumam colocar a cauda no chão ou agarrar com a cauda na árvore, porque quebrar um coco com uma pedra é um comportamento que exige uma manipulação muito fina, e exige força. Essa fêmea, às vezes, levantava a cauda, e nós achamos que era para poder segurar o filhote, porque ele ficava muito instável especialmente nesses momentos de quebra de coco. E ela, sem o uso da cauda para se estabilizar, não estava tão apoiada quanto poderia.”
“Nessa terceira população, do Parque de Ubajara, há muita pedra no chão e vai ser muito interessante poder comparar com a Serra da Capivara, porque vamos conseguir controlar a variável ‘disponibilidade de recursos líticos’”, adianta Falótico.
Nesses três primeiro meses do ano já temos 3 artigos publicados por membros da Neoprego. Vamos dar uma olhada neles?
Predação de vertebrados por macacos-prego
Nesse artigo, o Tiago Falótico descreve eventos de predação de vertebrados pelos macacos-prego do Parque Nacional Serra da Capivara (Piauí).
Os macacos caçam diversos tipos de animais, desde pequenos lagartos (a principal presa), aves e morcegos, até presas quase do tamanho eles, como mocós adultos. Os mocós (Kerodon rupestris)são roedores endêmicos da caatinga, que pesam cerca de 1 kg.
Além de predarem esses vertebrados somente com mãos e bocas, os machos do grupo também usavam, ocasionalmente, ferramentas de varetas para desentocar as presas quando estas se escondiam nas brechas das rochas e dentro de troncos.
Morte de filhote e interação do grupo com o corpo
Nesse relato a Tati Valença e o Tiago Falótico descrevem o caso de um filhote que nasceu com uma deficiência na perna. Eles descrevem como ele tinha dificuldade de se agarrar na mãe e como ela e outros macacos reagiam a isso.
O filhote, o Balaio, acabou morrendo com cerca de 2 meses de idade. Seu corpo foi carregado pela mãe por várias horas.
Esse comportamento é descrito pelos pesquisadores e eles discutem as hipóteses para esse comportamento ser tão raro em primatas neotropicais.
Análise de lascas de macacos-prego e humanos
Neste artigo em colaboração com arqueólogos, os pesquisadores compararam as lascas humanas com aquelas que os macacos-prego da Serra da Capivara produzem, não-intencionalmente, quando batem pedra contra pedra para pulverizar os seixos e lamber ou se esfregar com o pó das pedras.
As lascas dos macacos e dos humanos são extremamente parecidas, com somente uma das características analisadas significativamente diferentes. Isso reforça que mesmo sem intenção, macacos podem produzir lascas similares aquelas que os humanos produzem intencionalmente.
Os arqueólogos precisam agora ter mais cuidado ao atribuir lascas a humanos somente por essas características morfológicas e tecnológicas. Além disso, esse resultado indica que a produçào indicial de lascas pode ter acontecido por um efeito colateral de uso de ferramentas de pedras percussivas para outras funções.
Referências
Falótico, T. (2023). Vertebrate predation and tool-aided capture of prey by savannah wild capuchin monkeys (Sapajus libidinosus). International Journal of Primatology, 44, 9-20. https://doi.org/10.1007/s10764-022-00320-z
Proffitt, T., Reeves, J. S., Falótico, T., Arroyo, A., Torre, I. de la, Ottoni, E. B., & Luncz, L. V. (2023). Identifying intentional flake production at the dawn of technology: a technological and 3D geometric morphometric study. Journal of Archaeological Science, 152, 105740. https://doi.org/10.1016/j.jas.2023.105740
Macaco-prego com um fruto de babaçu: alimento de casca dura precisa ser quebrado com ferramenta de pedra, uma inovação que nem todas as populações do gênero adotaram (foto: Tiago Falótico/EACH-USP)
André Julião | Agência FAPESP – Os macacos-prego são alguns dos poucos primatas a utilizar ferramentas no dia a dia. Um dos principais usos no Cerrado e na Caatinga são os martelos e bigornas de pedra, que servem para quebrar a casca de alimentos duros, como as vagens do jatobá e a castanha-de-caju.
Em estudo publicado na revista Scientific Reports, pesquisadores brasileiros mostraram que a correlação entre a dureza dos alimentos e o tamanho das ferramentas nem sempre é precisa como se pensava.
Ao observar três populações brasileiras de macacos-prego da espécie Sapajus libidinosus e medir a resistência dos recursos, o tamanho e peso das ferramentas usadas e a disponibilidade de pedras no local, os cientistas concluíram que a cultura do grupo – informação mantida ao longo de gerações por aprendizado social – também pode influenciar a escolha.
“Em uma das três populações analisadas, mesmo quando possuem pedras mais adequadas para determinado recurso, eles podem usar ferramentas desproporcionalmente pesadas, o que pode indicar um traço cultural daquele grupo”, explica Tiago Falótico, pesquisador da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) apoiado pela FAPESP.
A população a que o pesquisador se refere vive no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. A comparação se deu com outras duas, residentes no Piauí: no Parque Nacional Serra das Confusões e no Parque Nacional Serra da Capivara, distantes 100 quilômetros um do outro.
As ferramentas, no caso, referem-se a pedaços de rocha quartzito e arenito encontrados em locais conhecidos como sítios de quebra. Os animais frequentam esses lugares exclusivamente para ter acesso a esses martelos e bigornas. Os primeiros são batidos pelos macacos contra os alimentos, que ficam apoiados nas bigornas.
“Na Serra das Confusões, quando quebram frutos pequenos e menos resistentes, os macacos-prego usam ferramentas menores. Quando precisam abrir cocos maiores e duros, usam martelos grandes e pesados. Na Chapada dos Veadeiros, mesmo tendo variedade de ferramentas, eles usam as mais pesadas mesmo para alimentos mais frágeis”, conta o pesquisador.
Não por acaso, foi na Chapada dos Veadeiros que os pesquisadores registraram o maior peso já levantado por macacos-prego. Um indivíduo desses pequenos primatas, que têm 3,5 quilos em média (machos adultos), foi filmado erguendo um martelo de 4,65 quilos. “São verdadeiros halterofilistas”, nota Falótico.
Medições
Os resultados são fruto de um trabalho minucioso. Nos três locais onde vivem as populações de macacos-prego estudadas foram documentados os alimentos mais encontrados nos sítios de quebra, como coco do babaçu, jatobá, castanha-de-caju e semente de maniçoba (um parente próximo da mandioca).
Foi documentada ainda a disponibilidade de pedras, além do tamanho e o peso das ferramentas encontradas. Com um aparelho especial, os pesquisadores mediram ainda a resistência de cada alimento encontrado. Por fim, observaram e filmaram como os macacos de cada uma das populações utilizavam as ferramentas com determinados alimentos.
“Esperávamos encontrar uma correlação muito direta entre o tamanho e peso da ferramenta e o alimento, mas a população da Chapada dos Veadeiros, que tem uma grande disponibilidade de rochas e poderia escolher maiores ou menores, usa predominantemente as maiores. Esse comportamento é provavelmente herdado dos antepassados, uma diferenciação cultural das outras populações”, afirma Falótico.
Outra amostra de que os macacos têm aprendizado cultural é que, em outras regiões do Brasil, como na Serra de Itabaiana, em Sergipe, e na Chapada Diamantina, na Bahia, também há macacos-prego do mesmo gênero, pedras e os mesmos frutos disponíveis. No entanto, não há sítios de quebra e, portanto, o comportamento de abrir os frutos para comer. Já na Serra das Confusões, os macacos quebram vários alimentos, menos a castanha-de-caju, ainda que esta seja abundante.
“Não é só a disponibilidade ou a escassez de recursos que define a ocorrência do comportamento, mas a herança cultural”, diz.
Os pesquisadores agora realizam análises genéticas das três populações para verificar se as diferenças culturais podem ser detectadas no genoma.
O trabalho teve apoio da FAPESP também por meio de bolsa concedida a Tatiane Valença na EACH-USP.
Caminhos do homem
Em outro trabalho, publicado no Journal of Human Evolution, Falótico e um time de arqueólogos da Espanha, Alemanha e do Reino Unido analisaram, em um experimento de campo, a formação de lascas de pedra pelos macacos-prego quando usavam diferentes tipos de rocha como bigorna.
Na natureza, os fragmentos são formados quando esses primatas batem uma pedra na outra para utilizar o pó produzido para passar no corpo e nos dentes. Não se sabe para que os macacos-prego usam esse produto, mas os pesquisadores acreditam que ele possa ter efeito contra parasitas. No experimento, a fragmentação das bigornas de material mais homogêneo também criou esses tipos de lascas.
As lascas, contudo, não são usadas pelos macacos, embora muito parecidas com as ferramentas líticas encontradas em sítios arqueológicos de várias partes do mundo. A hipótese dos pesquisadores é de que, antes de criarem lascas intencionalmente para usar como ferramentas, os primeiros seres humanos as obtiveram por acidente.
“Da mesma forma, em tese, os macacos-prego podem passar a usar lascas no futuro, caso um indivíduo inovador comece a usar e os outros aprendam observando. Por isso, esses primatas podem ser um modelo para entender a evolução humana”, aponta o brasileiro.
Em um trabalho anterior, o grupo mostrou como as ferramentas líticas usadas pela população de macacos-prego da Serra da Capivara ganham marcas específicas de acordo com o uso (leia mais em: agencia.fapesp.br/35137/).
A comparação das marcas nas ferramentas dos macacos com as dos hominídeos pode ajudar a desvendar como os primeiros humanos usavam esses instrumentos líticos. Com isso, os macacos-prego brasileiros abrem caminho para que se conheça melhor nossos antepassados.
O artigo Stone tools differences across three capuchin monkey populations: food’s physical properties, ecology, and culture está disponível em acesso aberto no link: www.nature.com/articles/s41598-022-18661-3.
Alguns dos nossos pesquisadores acabam de publicar um estudo sobre as interações dos macacos-prego (Sapajus sp) com outros primatas em 3 áreas de estudo.
O trabalho foi publicado na revista Primates e descreve o que acontece quando macacos de espécies diferentes se encontram. Eles brigam, fogem, se ignoram?
Esse estudo foi feito com dados de 3 populações diferentes. Ciência é um trabalho colaborativo, especialmente para entender comportamentos mais raros, como essas interações. Juntos conseguimos resultados melhores!
Foram registrados interações dos macacos-prego (Sapajus libidinosus e S. nigritus) com 3 outros primatas: saguis (Callithrix), muriquis (Brachyteles) e bugios (Alouatta)
As interações com saguis foram raras e neutras. Os macacos-prego normalmente ignoram os saguis e estes ativamente evitam os macacos-prego.
Já os muriquis, bem maiores que os macacos-prego, são normalmente evitados ou ignorados pelos pregos.
As interação agressivas mais frequentes foram contra os pobres bugios, principalmente nas populações do nordeste! Os macacos-prego (normalmente juvenis) perseguiam e agrediam jovens bugios, mas sem acabar em predação. Um comportamento bem parecido com um bully.
Video feito pelo Tiago Falótico mostrando os macacos-prego da Serra da Capivara atazanando alguns bugios. Essa era a interação mais comum nas 2 populações do nordeste estudadas.
Comparando as populações e grupos, foi verificado que grupos maiores e nas áreas mais secas/abertas são mais agressivos, mas que o tamanho corporal parece ser também um fator para o tipo de interação.
Essa pesquisa foi feita por pesquisadores da NeoPrego e Universidade de São Paulo, com apoio da FAPESP e CNPq.
Referência: Falótico, T., Mendonça-Furtado, O., Fogaça, M. D., Tokuda, M., Ottoni, E. B., & Verderane, M. P. (2021). Wild robust capuchin monkey interactions with sympatric primates. Primates. https://doi.org/10.1007/s10329-021-00913-x
Reproduzindo aqui a ótima repostagem sobre o trabalho da Arqueologia Primata, que acaba de publicar um artigo descrevendo ferramentas de até 3000 anos usadas pelos macacos-prego da Serra da Capivara.
Cultura de uso de ferramentas por macacos-prego variou ao longo de 3 mil anos
Macho adulto quebra castanha-de-caju, observado de perto por um jovem (primeiro plano) e uma fêmea (ao fundo)
Tiago Falótico / USP
Enquanto arqueólogos escavam o solo duro e seco da Caatinga no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, em busca de vestígios do passado, macacos-prego logo ao lado usam pedras para quebrar cocos, sementes e castanhas-de-caju. Provavelmente de modo semelhante ao que fazem há pelo menos 3 mil anos, como revela parceria entre pesquisadores da Inglaterra e do Brasil. “Eles vão se tornando um pouco primatólogos, enquanto nós viramos um pouco arqueólogos”, conta o biólogo Tiago Falótico, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), que coordenou as escavações mais recentes. Há seis anos ele e seu antigo supervisor Eduardo Ottoni, do Instituto de Psicologia da USP, trabalham em parceria com os arqueólogos britânicos Michael Haslam e Tomos Proffitt, do University College London, na investigação de como viviam os macacos. Descobriram que, assim como acontece hoje entre diferentes grupos de primatas, no passado a cultura de uso de ferramentas variou, como descreve artigo publicado nesta segunda (24/6) na revista Nature Ecology & Evolution. “É a primeira vez que se constata essa variação cultural em registros arqueológicos de primatas não humanos”, afirma Falótico.
Há alguns anos as escavações por lá revelaram que os macacos-prego da serra da Capivara (Sapajus libidinosus) já usavam pedras para quebrar castanhas-de-caju em tempos pré-colombianos. Chimpanzés, que desbancaram o uso de ferramentas como característica definidora dos seres humanos, já manejavam pedras há 4 mil anos de acordo com escavações na Costa do Marfim, na África. Mas lá não há sinais de que tenham alterado o comportamento.
Os macacos-prego são ricos em variações de comportamento, que alguns especialistas chamam de culturas. Há grupos que usam pedras, outros preferem gravetos. Depende do tipo de alimento disponível em cada área, mas também do que os jovens de cada população aprendem com os mais velhos. Da mesma maneira, à medida que foram escavando mais fundo – e regredindo no tempo – os pesquisadores encontraram variação. O material depositado entre 2.400 e 3 mil anos atrás revela o uso extenso de pedras pequenas, cheias de quebras causadas por impactos repetidos. Provavelmente eram usadas para processar alimentos menos duros do que castanhas-de-caju. “Hoje eles usam pedras semelhantes para quebrar sementes e frutos como os da maniçoba [Manihot pseudoglaziovii], uma planta da família da mandioca”, conta Falótico, que interpreta as marcas no material arqueológico com base no que os macacos fazem hoje. Infelizmente não foi possível detectar resíduos dos alimentos nas pedras encontradas, mas ele ainda não desistiu. “Outras áreas podem ter condições de preservação diferentes que um dia nos permitam identificar resíduos.”
Na fase seguinte, entre aproximadamente 565 e 640 anos atrás, conforme datação de fragmentos de carvão resultantes de queimadas e presentes no sedimento, os macacos ainda usavam pedras pequenas, mas já existiam mais bigornas – superfícies planas onde apoiam o alimento no momento da quebra. Mais recentemente, eles parecem ter começado a usar pedras maiores que permitem processar castanhas bem duras e disseminaram o uso de bigornas. Eles chegam a erguer acima da cabeça pedras de cerca de 3 quilogramas, semelhante ao próprio peso. Também usam pedras para cavar e paquerar, entre outras utilidades.
É impossível estabelecer os motivos dessa variação no registro arqueológico. Será que começavam a desenvolver as técnicas e aos poucos foram descobrindo que funcionava e explorando fontes alimentares antes inacessíveis? Ou grupos da mesma época já tinham costumes variáveis, transmitidos de uma geração para outra, e a escavação de outros sítios revelará uma diversidade cultural já nos tempos mais antigos? Ou, ainda, em certos momentos os alimentos disponíveis não exigiam maiores esforços? Todas são possibilidades plausíveis, embora a análise de amostras de pólen fossilizado revele que há 7 mil anos já havia cajueiros na região. Não significa, porém, que estivessem constantemente em todos os lugares, pode ter havido variação na abundância dessa árvore.
O trabalho – dos macacos no manejo das pedras e das pessoas que os estudam – continua, e Falótico divide seu tempo de trabalho de campo entre as escavações e a observação do comportamento atual. “Gosto mais de seguir os macacos do que de ficar agachado cavando”, confessa. Ele tem se concentrado em estudar os padrões das lascas obtidas pela quebra das pedras batidas umas contra as outras, que alguns anos atrás se mostraram indistinguíveis daquelas produzidas pelos homens das cavernas. A região, onde registros da ocupação humana podem estar entre os mais antigos do continente, ainda parece ter muito a revelar sobre as atividades de pessoas e macacos ao longo de milhares de anos.
“Pode haver sítios ainda não encontrados relacionados a primatas”, diz a arqueóloga Mercedes Okumura, do Instituto de Biociências da USP, que não tem conhecimento de outro sítio comparável em termos de documentação de arqueologia envolvendo tanto seres humanos como outros primatas. Ela é coautora de um artigo publicado em 2018 na revista Quaternaire que descreve a formação das camadas arqueológicas do boqueirão da Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, levando em conta as contribuições de pessoas e macacos (contou para isso com acesso aos dados do grupo de Falótico). Entre os achados das escavações é difícil dizer quem produziu as lascas mais simples, ela conta, mas atribui com segurança a seres humanos estruturas mais complexas de pedra lascada. Ela vê como frutífera a relação com os arqueólogos-primatólogos. “Me refiro realmente a uma via de mão dupla: quem faz arqueologia ‘humana’ pode aprender muito também ao estudar esses casos relacionados a outros primatas.”
Projetos
1. Uso de ferramentas por macacos-prego (Sapajus libidinosus) selvagens: ecologia, aprendizagem socialmente mediada e tradições comportamentais (nº 2014/04818-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa — Temático; Pesquisador responsável Eduardo Benedicto Ottoni (USP); Investimento R$ 611.005,29.
2. Uso de ferramentas por macacos-prego: aprendizagem e tradição (nº 2013/05219-0); Modalidade Bolsa de pós-doutorado; Pesquisador responsável Eduardo Benedicto Ottoni (USP); Beneficiário Tiago Falótico; Investimento R$ 423.450,88.
The past two months have been busy for the Neoprego team. Several papers involving team members have been published in many important journals and we have participated on the Brazilian Primatology Conference.
Adult male capuchin monkey using a stone to dig for roots.
On July the paper from Tiago Falótico about the digging tool use by Serra da Capivara capuchins was published on Scientific Reports. This paper describes the digging stone tools used to access food items by two groups of capuchins on Serra da Capivara, a behavior that, so far, was only register in that population.
On September a conjoint paper from Tiago and Michele Verderane was published on Primates. This paper describes an amazing behavior of capuchin monkeys, that can both eat or threat snakes, depending on the level of danger posed by the snake. The monkeys threat and mob potentially dangerous snakes, but capture and eat harmless ones. It may be seems obvious, but no primate other than humans do that, usually presenting only the fear response when facing snakes.
Boa constrictor snake from Serra da Capivara National Park. Credit: T. Falótico
Still in September, Tiago and the PrimArch team published a review paper about Primate Archaeology, showing up the accomplishments of this new research area and future directions. This paper was published on Nature Ecology & Evolution.
Finally, Mariana Fogaça and Tiago had a wonderful participation on the Brazilian Primatology Congress, held at Pirenópolis-GO, presenting the latest developments of their research and joining interesting discussions.
Credit picture of monkey eating snake: Noemi Spagnoletti
[versão em português]
Os dois últimos meses tem sido agitados para os membros da Neoprego. Vários artigos envolvendo membros da ONG foram publicados em importantes revistas e nós participamos do Congresso Brasileiro de Primatologia 2017..
No final de Julho o artigo de Tiago Falótico sobre as ferramentas para escsavar usadas pelos macacos-prego da Serra da Capivara foi publicado na revista Scientific Reports. Esse trabalho descreve as ferramentas de pedra usadas por dois grupos de macacos da Serra da Capivara para acessar alimentos, um comportamento que até o momento só foi registrado nessa população.
Em Setembro um artigo conjunto de Tiago e Michele Verderane foi publicado na revista Primates. Este trabalho descreve o incrível comportamento dos macacos-prego, que podem predar ou ameaças cobras, dependendo do nível de perigo que a cobra representa. Os macacos ameaçam e dão alarme a cobras potencialmente perigosas, mas capturam e comem as inofensivas. Isso pode parecer óbvio mas, além dos humanos, nenhum outro primata tem esse tipo de resposta, geralmente apresentando somente a resposta de medo ao encontrar serpentes.
Ainda em Setembro, Tiago e o grupo PrimArch publicaram um artigo de revisão sobre a Arqueologia Primata, mostrando as realização dessa nova área de pesquisa e caminhos futuros. Este artigo foi publicado na revista Nature Ecology & Evolution.
Mari e Tiago no Congresso Brasileiro de Primatologia 2017
Por fim, Mariana Fogaça and Tiago tiveram uma maravilhosa participação no Congresso Brasileiro de Primatologia, realizado em Pirenópolis-GO, onde apresentaram os últimos resultados de suas pesquisas, fazendo contatos para parcerias futuras e participando de interessantes discussões.
Crédito da foto do macaco comendo a cobra: Noemi Spagnoletti
Field work can be surprising. Usually in good way, but occasionally (more often than we would like) in bad ways. Even with all preparation, sometimes random and unexpected problems happens. In the case of field experiments, the unpredictability is multiplied by two or three!
In the last field work at Serra da Capivara we had a simple primary aim: to give capuchin monkeys some oil palm nuts (Elaeis guineensis) and let them crack those open with stones tools from different origins and materials, to then analyse the wear marks. Simple stuff for capuchin monkeys that use stones for several purposes like the Serra da Capivara population.
As sometimes happen, we did not account for
the resolve of the monkeys. When we presented the nuts, first intact and then already open, the monkeys examined, tasted the kernel, and even cracked open some, but after that, simply ignored the new food….. completely disregard for those oil nuts.
We tried a few more times, but after some other monkeys attempt on tasting the nuts, it was clear to us that those monkeys do not like oil palm nuts. As a field primatologist, I had to try the nuts, and I must agree with the monkeys, those nuts are NOT good. They are bitter, maybe because of the oil. The other palm nuts capuchin monkeys crack and eat (eg. genus Attalea e Syagrus nuts) are very tasty (yes, I ate those as well).
As we could not convince or force the monkeys to crack those nuts open, we choose an alternative plan, and return to São Paulo, hoping to do a modified version of the experiment with another palm nut (Syagrus romanzoffiana) and a group of capuchin monkey that we already knew beforehand processed this resource with stone tools. The group mentioned lives at the Tietê Ecological Park, the first capuchin group that I worked with several years ago.
Capuchin monkey cracking nut
These semi-free ranging capuchins live on an urban park, and they were some of the first non-captive capuchins reported to spontaneous use stone tools.
It is being interesting to work with those monkeys after so many years without visiting them. Lets hope they still like to nutcrack a lot!
First some weeks performing field experiments regarding stone tool use by the capuchin monkeys (Sapajus libidinosus), with Oxford colleague Lydia V. Luncz.
After that, 10 days working with Primate Archaeology team to investigate archaeological evidence on ancient capuchin monkey stone tool use.
Inicialmente serão algumas semanas fazendo experimentos de campo sobre uso de ferramentas de pedra pelos macacos-prego (Sapajus libidinosus), em colaboração com a colega de Oxford Lydia V. Luncz.
Após esse período, mais 10 dias com o grupo da Arqueologia Primata, investigando as evidência arqueológicas do uso de ferramentas líticas por macacos-prego em tempos remotos.